Todos nós temos uma história. Algumas desconhecidas. Outras puras fontes de inspiração. Acredito que merecem ser ouvidas. Para isso basta aventurarem-se. Esta é a minha e é apenas uma história de vida que está contada em livro ou em palestra que tenho realizado ao longo dos últimos anos.
Nasci em 1983 na terra das bengalas, Gestaçô, freguesia do concelho de Baião, distrito do Porto. Irmão de 3 raparigas todas elas mais velhas e filho de comerciantes e agricultores, os meus pais sempre pretenderam distanciar-nos do trabalho árduo da terra. Diziam-nos vezes sem conta que “a melhor herança que nos podiam deixar era a nossa educação”.
Acredito que a minha paixão pelo futebol surge ao lado do meu pai, no meio de tantas viagens para as feiras ou a entregar mercadoria pela freguesia a ouvir a bola branca ou os relatos de futebol. Era uma loucura pela bola, passava dias a fio a jogar. Alguma das vezes com amigos vizinhos ou a maior parte do tempo sozinho, isto porque a maioria ajudava os pais no campo. Almoçava com ela nos pés. Era a minha companheira. Mas ter uma bola há 30 anos atrás era bem diferente dos dias de hoje. Recordo uma aposta com o meu tio Leonel, “quando deres 20 toques consecutivos na bola, dou-te uma nova”. Tarefa difícil para quem nunca foi propriamente um mago do futebol. Mas treinava muito. Ao fim de algum tempo e já a precisar urgentemente de uma nova lá tive de enganar o meu tio, mas acreditem que não foi pela falta de treino.
Aos 9 anos de idade queria jogar futebol num clube. Chateava muito os meus pais, principalmente o meu pai. Apresentava-lhe soluções que não lhe agradava, naquela altura não existia nenhum clube perto de casa minimamente estruturado onde pudesse jogar futebol. Aconselhado por um amigo e sob o mote “se é para fazer, vamos fazer uma coisa bem feita”, o meu pai levou-me a treinar ao Amarante Futebol Clube. Amarante fica a 25 km de minha casa, entre montanhas, curvas e contracurvas com a serra do Marão à espreita. “Tu és maluco!”, “Será que vai valer a pena?”, “Já viste o esforço que vais ter de fazer!”, “Já viste o dinheiro que vamos gastar!”, “Será que ele vai aguentar?”, “As horas a que vocês vão chegar a casa!”, são algumas das frases da minha mãe. Inquietações de mãe, do desconhecido, do caminho a percorrer, apenas e só apenas para permitir ao seu filho jogar futebol. E foi assim que comecei.
Dos 9 aos 14 anos estudei numa freguesia vizinha, Santa Marinha do Zêzere. Estudar para mim sempre foi tão natural como respirar. Era o meu plano A. Três vezes por semana, no final das aulas lá estava o meu pai com a sua Toyota Hiace vermelha para me levar para os treinos. Depois do treino regressávamos a casa, jantávamos em família, estudava e ia dormir.
Dos 15 aos 17 anos estudei na secundária de Amarante. Juntamente com outros alunos, às 6 da manhã apanhava uma carrinha que nos transportava para um local onde iriamos por sua vez apanhar o autocarro que nos levaria para Amarante. Recordo os momentos escuros e frios enquanto esperávamos. Após as aulas, treinava e regressava a casa com o meu pai. Jantávamos, estudava e ia dormir, pois, no dia seguinte lá tinha de me levantar novamente às 6 da manhã.
50 km por dia. 4 vezes por semana. 10 meses por ano. Durante 9 anos. Foram 72.000 km que fizemos para poder apenas jogar futebol. Sim porque quem garante com esta idade que vou ganhar a vida a jogar futebol?
Em 2001 com 17 anos tinha tudo pensado e planeado. Queria entrar na faculdade e continuar a jogar futebol. Era bom aluno com uma boa média de secundário. Tinha estado a prestar provas no Boavista e tinha boas possibilidades de ficar lá a jogar. Estava tudo certo, ir para a faculdade de desporto no Porto e jogar no Boavista. Faltava-me apenas um pormenor, exames nacionais. Tinha que conseguir pelo menos notas mínimas nas disciplinas específicas para poder concorrer para aquela faculdade. Não me recordo de estar nervoso. Mas depois do primeiro exame as coisas mudaram. Cada vez que fazia um exame ficava mais nervoso e ansioso. Cada exame que fazia sentia o peso de tudo o que tinha planeado. Cada exame uma vontade enorme de chorar. Todos correram mal. Vi que não me tinha preparado bem para aquilo. Relembro o dia que fui ver as notas, desilusão e muito choro. Cheguei a meter-me debaixo da minha cama, com a camisola que tinha guardada dos treinos do Boavista agarrada ao peito, com um choro incrivelmente desesperante. Tudo o que tinha planeado, durante todo aquele tempo, tinha ido por água abaixo. No fundo não estava preparado para aquele momento.
A vida continuou, o tempo curou e aprendi. Não podia voltar atrás. O pragmatismo tomou-me de assalto, deixei cair o plano B e agarrei-me ao A. Vou escolher outra universidade.
Nesse mesmo ano entro em Ciências do Desporto na Universidade da Beira Interior depois de uma conversa longa e produtiva com Bruno Travassos sobre a “incrível vida académica que vais viver na Covilhã”. E foi de facto o que encontrei. Fui caloiro e diverti-me à brava como um verdadeiro universitário.
Esqueci o futebol, mas mesmo assim fui jogar para o distrital nos juniores do Sporting Clube da Covilhã. “Quem sabe” pensava eu lá no fundo sem muita esperança. O bichinho cresceu, as coisas tornaram-se mais sérias e trabalhava para o dia que acreditava que podia chegar. Fomos campeões distritais e num dia fui chamado a treinar na equipa sénior do Covilhã. Era o meu dia. O meu coração batia forte e quase me saltava do peito. Ao contrário do que me tinha acontecido meses antes sentia que me tinha preparado para aquele momento. Ia dar tudo o que tinha. Não ia ficar cá nada, nem remorsos de que podia ter feito mais. Foi incrível. Jamais pensava que depois de um único treino iria assinar logo como profissional. Foi o que aconteceu. Não foram as fintas do Messi ou os remates do Ronaldo, talvez a vontade e a determinação de um menino que já lhe tinha fugido uma vez pelas mãos. Do outro lado a visão de quem escolhe. Por vezes somos nós que escolhemos a nossa equipa. Outras vezes nem sequer somos escolhidos e esta foi a vez de ser escolhido.
Foi na Covilhã que conheci a mulher com quem casei em 2011 e projetei o meu futuro com muitos sonhos. Foram 5 anos de mãos dadas com a Universidade e o futebol profissional. Muitas histórias para a vida. Uma gestão ao minuto. Sacrifícios em prol de um sonho de menino. Olho para trás e relembro as escolhas de um menino da aldeia com 17 anos num contexto universitário extremamente propicio a tentações diárias.
– Em 2006 já com o canudo nas mãos, fui jogar para Gondomar e em 2007 fui jogar para o Portimonense, ambas equipas na II Liga. Foram contextos competitivos excelentes para me mostrar ao futebol. E assim foi.
Em 2008, aos 24 anos de idade chego ao Rio Ave Futebol Clube e cumpro o meu sonho de menino de jogar nos grandes palcos do futebol português.
Nos 4 anos que se seguiram descobri que a Ambição termina nos nossos limites. Fui incapaz de interpretar o momento e responder à questão “e depois de lá chegares como vai ser?”
Em 2012 quis imigrar. Aceitei uma proposta do Irão 10 vezes mais do que ganhava em Portugal. Ao contrário da opinião da minha esposa acreditava que ia ser a minha independência financeira. Fui atrás do dinheiro, sem pensar naquilo que ia encontrar ou naquilo que deixava para trás. Depois de uma experiência de uma semana regressei a casa com outro entendimento relacionado com o dinheiro. Descobri que o que eu queria não era ter dinheiro para comprar tudo, pois como questionava a minha esposa “esse dinheiro que vais ganhar vai resolver todos os problemas da tua vida?”. O que eu queria mesmo era ter dinheiro para ter liberdade e ser feliz. Apercebi-me que eu não precisava de ir para o Irão para ter essa liberdade, eu já a tinha.
A primeira coisa que fiz quando cheguei a Portugal, sem os desejados milhões, foi comprar um carro novo. Tinha um Seat Ibiza que comprei em 2002 com os meus três anos de contrato do Sporting da Covilhã.
Acabei por renovar com o Rio Ave. Os anos que se seguiram foram maravilhosos. Com um treinador novo projetaram o futuro com muita ambição. Não acreditei e ri. Enganei-me. Compreendi melhor o jogo. Tornei-me melhor jogador. Comecei a acreditar. Deixei crescer a barba. Ajudei a construir uma equipa. Liderei. Blindei o balneário. Fomos a 3 finais e à Liga Europa. Não levantei uma única taça, mas vi o helicóptero.
Enquanto tudo isto acontecia, em 2014 realizei o mestrado em Ciências do Desporto. Mostrei novamente que os jogadores de futebol conseguem e devem ter uma valência académica no desenvolvimento da carreira.
2014 foi também um ano em que no mesmo dia toquei o céu e o inferno e senti que a vida por vezes é injusta. Mas que devemos acreditar em nós e na força que temos, pois somos mais fortes do que imaginamos.
Os anos que se seguiram conheci uma arma poderosa. Foquei-me naquilo que mais controlava, eu mesmo.
Em 2016 fundei “A Minha Causa”. Meti-me à frente das câmaras sob um novo ângulo, fora da caixa, onde mais ninguém vira. Poucos acreditaram, “Tu não vais conseguir”, “Isso não vai resultar”. No meio de tantos nãos eu fui em frente. Ai Não? Vais ver que sim. Fui sem ver o caminho todo, mas fui. Aqueles que acreditaram deram-me um forte empurrão, quer na conceção da ideia (André Leonardo), quer na sua operacionalização (Pedro Araújo e a Brandit) ou quer na organização do evento de apresentação (Marco Aurélio e a comunicação do Rio Ave).
Logo de seguida criei a palestra “A Minha Causa” e comecei a realizá-la gratuitamente por todo o país, em escolas, universidades, clubes, associações. Criei esta palestra com foco no desenvolvimento e transições que aconteceram e estão a acontecer na minha carreira enquanto futebolista profissional. Uma viagem à minha carreira dual e todos os desafios inerentes. Ainda, como e porque surge o projeto “A Minha Causa”, assim como os resultados das investigações inéditas na temática das transições de carreira no desporto a nível nacional.
Em Janeiro de 2017, juntamente com o Bruno Travassos, o André Seabra e o zerozero.pt lançamos os primeiros dados sobre o perfil da carreira dos jogadores de futebol portugueses.
Em 2017 escrevi o livro “A Minha Causa: Sonha.Desafia-te.Concretiz
Em 2018 dou mais um passo na minha formação e investigação. Iniciei o doutoramento em Ciências do Desporto na Universidade da Beira Interior na temática: desenvolvimento e transições de carreira no futebol. Durante o primeiro ano dei por mim a sair de Vila do Conde às 5 horas da manhã e a questionar-me “o que é que eu estou para aqui a fazer?”.
Em Setembro de 2018 vendi a minha primeira palestra empresarial. Criei uma palestra em que me desafio a sair da bolha do futebol aplicando as competências que o futebol me dá ao contexto organizacional e empresarial. Entre todas hoje já são mais de 70 palestras realizadas.
Em 2019 foi-me atribuído o prémio Ética Desportiva 2018 pelo Plano Nacional Ética no Desporto, Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto e Instituto Português do Desporto e Juventude. O que me deu mais gozo foi que em 2016 convidei cerca de 200 pessoas e entidades para ouvir o que tinha projetado e a maioria não apareceu. Hoje sei que estou a despertar uma geração de pessoas.
Com 35 anos continuo a jogar futebol ao mais alto nível no Rio Ave Futebol Clube. Outros planos se avizinham, outras metas para alcançar, mas o mais importante do que fazemos, somos, alcançamos ou temos é como lidamos com isso.
- Apreendi que não tenho de ser igual a tantos outros. Apenas ser eu e fazer aquilo que me faz feliz, pois cada um pode deixar a marca que quiser neste mundo.
- Apreendi que preparação é tudo. Há oportunidades que aparecem quanto menos esperamos e temos de estar preparados para as agarrar.
- Apreendi que em momentos menos bons somos capazes de nos superar.
- Conheci o quão incrível é alcançar o que sonhamos.
- Conheci a desilusão quando vemos que existe mais para além do que sonhamos e concretizamos.
- Apreendi que mesmo que não esteja a ver o caminho todo temos de começar.
- Apreendi que lá à frente tudo vai fazer sentido, se lutarmos verdadeiramente por aquilo que acreditamos.